segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

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domingo, 21 de fevereiro de 2016

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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Dimensão da Cultura Brasileira

http://www.siple.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=240:dimensoes-ocultas-da-cultura-brasileira-no-ensino-de-portugues-lingua-estrangeira-ple&catid=64:edicao-4&Itemid=109

1. Dimensões Ocultas da Cultura Brasileira no Ensino de Português Língua Estrangeira (PLE) ImprimirE-mail
Escrito por José Paulo de Araújo - Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ - ISSN 2316-6894   
Resumo:
O ensino de PLE não incorpora a dimensão cultural em sua necessária profundidade devido à falta de professores preparados para lidar com ela. Por esse motivo, alguns alunos poderão ser vítimas de constrangedores faux pas na cultura brasileira. Neste trabalho, como contribuição para modificar esse estado de coisas, discuto algumas dimensões culturais que podem ser consideradas na preparação de professores para levar em conta a dimensão cultural no ensino PLE.
Palavras-chave: formação de professores de PLE, dimensão cultural no ensino de PLE
ABSTRACT: PFL teaching does not incorporate the cultural dimension in its required depth due to the fact that few teachers have been prepared to deal with it. For this reason, some students may fall victim of embarrassing faux pas in the Brazilian culture. In this work, as a contribution to change this state of affairs, I discuss some cultural dimensions that can be considered in the preparation of teachers for taking the cultural dimension into account when teaching PFL.
Keywords: PFL teacher education, cultural dimension in PFL teaching

INTRODUÇÃO
O antropólogo norte-americano Edward T. Hall afirmou: “a cultura oculta muito mais do que revela e, por estranho que pareça, o que ela oculta, o faz com mais sucesso de seus próprios participantes” (HALL, 1998, 59)[i]. Essa afirmação foi feita no contexto da reflexão sobre fatores da comunicação que estão além do léxico e da sintaxe da língua e de que não temos nenhuma consciência – fatores de natureza cultural. Ainda que não estejamos conscientes de sua existência, esses fatores manifestam sua influência de formas perceptíveis e por vezes desagradáveis nos eventos de contato entre culturas distintas. É comum nesses eventos a ocorrência de mal-entendidos, gafes e até agressões verbais devido às diferentes expectativas de cada cultura a respeito de fatores como a tolerância com atrasos, com interrupções nas conversas e ainda com a distância física desejável entre as pessoas.
Mesmo o estudante que tenha alcançado fluência num idioma – o foco aqui é o PLE – pode ser vítima do desconhecimento desses fatores inconscientes, visto que o contexto de ensino ainda não incorpora as questões culturais em sua necessária profundidade e, portanto, não capacita o estudante para lidar com elas.  No contexto formal de ensino, sob o ponto de vista da produção de materiais didáticos, o foco mais contemporâneo ainda se restringe aos aspectos da pragmática linguística, tais como os atos de fala, os pares adjacentes e as regras de polidez, agrupados sob a alcunha de abordagem comunicativa. Sob o rótulo de ensino de cultura propriamente dito, no cenário mais comum, é provável que o livro didático e o professor tratem apenas dos “usos e costumes” da cultura-alvo, sendo os aspectos inconscientes dessa cultura relegados ao segundo plano ou simplesmente ignorados (REIS BATISTA, 2009) [ii]. Sob o ponto de vista da formação acadêmica, enfim, há que se considerar que os currículos universitários de bacharelado e licenciatura em Letras parecem ainda não levar em conta a importância desses aspectos inconscientes para a comunicação intercultural, portanto não parece haver professores capacitados para abordá-los no ensino de PLE ou de quaisquer outros idiomas.
Uma vez que o ensino de PLE não incorpore a dimensão cultural, alguns alunos poderão ser vítimas de constrangedores faux pas em seus contatos com brasileiros. Como humilde contribuição para modificar esse estado de coisas, neste artigo discuto algumas dimensões culturais que podem ser levadas em conta na formação de professores para o ensino PLE a partir do referencial conceitual das pesquisas de Hofstede, de Hall e de Almeida e, onde estas não oferecem resultados empíricos aplicáveis à cultura brasileira, da proposta prática de Storti.
O artigo está organizado em quatro seções além desta introdução. Na próxima seção, as pesquisas dos estudiosos citados são descritas de modo a ressaltar as dimensões culturais a que desejo atribuir foco. Na terceira seção, fundamentado nos conceitos destacados, apresento uma análise contrastiva da cultura brasileira em relação a culturas nacionais de quatro grandes blocos: Europa, Ásia, Américas e África. Na quarta e última seção concluo discutindo possíveis estratégias para a exploração das dimensões culturais contrastadas na formação de professores de PLE.
REVISÃO DA LITERATURA
As Dimensões culturais de Hofstede
O professor de antropologia organizacional Geert Hofstede realizou seu pioneiro estudo contrastivo sobre dimensões culturais entre 1967 e 1973 tendo como fontes de dados os questionários respondidos por 60.000 empregados da IBM espalhados por 50 países. Desse estudo resultou a identificação de quatro dimensões que forneceram a base para sua caracterização da cultura de cada país (JONES, 2007). As quatro dimensões originais[iii]de Hofstede (ITIM, 2005a) são as seguintes:
Distância Hierárquica (Power Distance – PDI): Esta dimensão reflete o grau no qual os membros menos influentes de uma cultura aceitam e esperam que o poder seja distribuído desigualmente. Quando esse grau é baixo, os membros da cultura tendem a buscar a igualdade na distribuição do poder, a democracia e a cobrar justificativas quando não as obtêm. Quando ele é alto, eles tendem a se resignar com as desigualdades e o autoritarismo sem contestá-los;
1.      Individualismo/Comunitarismo(Individualism/Collectivism – IDV): Esta dimensão reflete o grau de preferência de uma cultura pela manutenção de laços de dependência coletivos fortes ou fracos. Quando esse grau é baixo, os membros da cultura representada mantêm vínculos de dependência mais fortes e com um núcleo familiar ampliado, que inclui pais, cônjuges e filhos, mas também tios, primos e frequentemente até amigos e vizinhos; quando é alto, os membros da cultura representada tendem a se preocupar mais consigo mesmos e com seus núcleos familiares (cônjuges e filhos);
2.      Masculinidade/Feminilidade(Masculinity/Femininity – MAS): Esta dimensão nada tem a ver com a predominância do poder masculino numa cultura (JONES, 2007), mas sim com o fato de os membros dessa cultura apresentarem traços mais fortes de competitividade, de assertividade e de busca de realização material ou, ao contrário, de cooperação, de modéstia e de busca de qualidade de vida. Quando o grau é alto, a tendência inicialmente descrita se verifica; quando é baixo, a segunda predomina;
3.      Fuga da Incerteza(Uncertainty Avoidance – UAI): Esta dimensão reflete a tendência dos membros de uma cultura para lidar com a mudança, tomar decisões, assumir riscos, lidar com o eventual fracasso ou, ao contrário, se apegar ao conhecido e às tradições (STORTI, 1998). Quando esse grau é alto, os membros da cultura em questão temem as mudanças, a tomada de decisões e evitam o fracasso a todo custo. Ao mesmo tempo, eles têm a necessidade de códigos rígidos de crença e comportamento (JONES, 2007) e apresentam baixa tolerância a ideias e comportamentos não ortodoxos. Quando é baixo, os membros da cultura não se pautam por regras rígidas de costumes, percebem a mudança como algo positivo e não temem o risco.
Dentro desse modelo conceitual, a pesquisa demonstrou (v. FIGURA 1) que a sociedade brasileira apresenta alta PDI (valor igual a 69), o que se reflete no fato de as pessoas tenderem à naturalização acrítica das desigualdades sociais e à aceitação de direitos exclusivos e da deferência para os mais poderosos. No mundo do trabalho, essa dimensão reflete-se na expectativa de que o gerente ou líder assuma as responsabilidades; na política, possivelmente se reflita na expectativa de que surja um “salvador da pátria”. A dimensão IDV é baixa (38), refletindo a grande dependência que as pessoas têm de sua família estendida e de suas redes de relacionamento para sobreviver. No mundo do trabalho, isso se concretiza na tendência a só negociar com um parceiro com o qual se estabeleceu um vínculo de confiança de longo prazo. A MAS tem grau quase médio (49), o que se reflete numa baixa tendência à competitividade, na evitação dos conflitos, na busca do consenso na vida pessoal e na profissional. Finalmente, o alto grau da UAI (76), também encontrado em outros países da América Latina (ITIM, 2005c), reflete-se no temor ao risco e às mudanças, na observância dos costumes e na condenação dos desvios, bem como na necessidade de regras e de um elaborado sistema legal – e de uma forte burocracia – para organizar a vida cotidiana.
FIGURA 1 – Dimensões culturais na sociedade brasileira
Não obstante seu pioneirismo, seu rigor, sua relevância e sua precisão, a pesquisa de Hofstede foi alvo de várias críticas. Os principais problemas apontados dizem respeito às limitações do instrumento usado (pesquisa de opinião ou survey), à presunção de homogeneidade dentro das culturas e das fronteiras nacionais consideradas, à delimitação do corpus aos membros de uma mesma empresa e à obsolescência dos resultados com o passar dos anos. Hofstede refutou a maioria dessas críticas, alegando, respectivamente, que usou outros instrumentos de pesquisa, que as identidades nacionais são os únicos parâmetros pelos quais se pode identificar e medir diferenças culturais, que a delimitação a uma empresa permitiu a comparação transversal e que a cultura não muda repentinamente, tendo os valores evidenciados em sua pesquisa se mantido estáveis há décadas.
Na próxima subseção apresento os resultados das pesquisas do antropólogo norte-americano Edward T. Hall (1914-2009).
As Diferenças ocultas de Hall
Em seu artigo intitulado O poder das diferenças ocultas, Hall (1998) lembra que os estudiosos de semiótica tendem a concordar que mais de 80% da comunicação interpessoal é baseada em informação não verbal e que essa informação, além do mais, está fora de nosso controle consciente – daí sua qualificação como oculta. Dentro de cada cultura, a aprendizagem da configuração específica dos fatores ocultos da comunicação ocorre naturalmente, pela observação desde a infância, não sendo normalmente alvo de instrução formal, daí a dificuldade de evitar gafes numa outra cultura mesmo após alcançada a fluência no idioma nativo dela.  Hall estudou as culturas comparativamente do ponto de vista das dimensões do tempo, do espaço e do contexto de comunicação, as quais são discutidas no artigo citado e neste trabalho.
Para Hall o tempo pode ser concebido dentro de um sistema monocrônico ou de um sistema policrônico, com a maioria das culturas se localizando entre um polo e outro. Culturas que operam dentro de um sistema monocrônico – como a americana – são aquelas em que o tempo é concebido como uma variável linear, portanto as atividades se desenrolam uma após a outra. Nessas culturas, o tempo é compartimentalizado e encarado como uma entidade tangível que pode ser economizada (daí a expressão “economizar tempo”), perdida ou desperdiçada (daí a expressão “perder tempo”), as pessoas mantêm agendas rígidas e não toleram interrupções. Culturas que operam dentro de um sistema policrônico como a nossa, ao contrário, não concebem o tempo como uma variável linear, portanto é aceitável realizar várias atividades simultaneamente, não raro tolerando-se interrupções dentro delas, além de reagendamentos de compromissos previamente acordados.
Por analogia com o caráter territorial dos animais, Hall argumenta que os seres humanos também demarcam seu espaço pessoal e que as dimensões do espaço demarcado em torno de cada indivíduo variam entre as culturas. Ele introduz o termo proxêmica para explicar os modos como as culturas humanas se apropriam diferentemente do espaço entre os indivíduos. Em algumas, as culturas de contato, o espaço entre elas é mínimo, permitindo-se a aproximação e o toque entre os indivíduos – caso das culturas árabe, brasileira, da Europa meridional, da América Latina e turca; em outras, as culturas de não contato, o espaço é maior, forçando um afastamento de, no mínimo, o comprimento de um braço – caso das culturas dos Estados Unidos, da Europa setentrional, da Índia, do Japão, do Paquistão e do sudeste asiático (GRIFFIN, 1997).  Observando pessoas da classe média alta da costa Leste dos Estados Unidos, Hall identificou quatro padrões de aproximação física: distância íntima, distância pessoal, distância social e distância pública. A distância íntima corresponde à máxima aproximação possível, observada durante relações sexuais ou lutas, estendendo-se até 45 cm. A distância de maior aproximação depois dela é a distância pessoal, aquela que corresponde aproximadamente ao comprimento de um braço esticado, mas que ainda garante a possibilidade de um toque afetuoso ou abraço, estendendo-se até cerca de um metro e vinte centímetros. A distância social, que se estende até aproximadamente três metros, marca a transição para os relacionamentos mais impessoais. A distância pública, enfim, é aquela que se observa entre o palestrante e a plateia num auditório ou entre uma grande autoridade e o público que dela é mantido afastado. Os parâmetros citados variam amplamente entre as culturas e mesmo dentro delas. Embora Hall tenha sido criticado pelo padrão de referência escolhido e pela generalização ao classificar as culturas como de contato e de não contato, suas descobertas foram posteriormente confirmadas por outros pesquisadores (GRIFFIN, 1997).
Na discussão final, de caráter mais abstrato, Hall distingue entre culturas de alto e baixo contexto. As primeiras são aquelas em que a interação se baseia muito mais no conhecimento partilhado entre as pessoas do que naquilo que elas dizem propriamente. Dessa forma, muito se comunica por meios não verbais, estando, portanto, no contexto entre os interlocutores a chave para o entendimento da mensagem. As culturas de baixo contexto, por oposição, são aquelas em que a comunicação é explicitamente centrada na linguagem, portanto as pessoas dizem o que querem dizer, não apenas o mínimo suficiente para que os outros decifrem suas intenções. É comum a associação entre culturas individualistas e comunicação de baixo contexto e entre culturas coletivistas e comunicação de alto contexto. A comunicação na cultura brasileira tende a ser mais contextual, o que já não ocorre nas culturas dos países germânicos, por exemplo.
Em termos gerais, portanto, a cultura brasileira é caracterizável como policrônica, de contato e de alto contexto comunicacional. Isso significa que membros das culturas dos Estados Unidos, da Europa setentrional e do Japão, entre outras, poderão encontrar aqui um campo fértil para a ocorrência de mal-entendidos.
Na próxima subseção apresento alguns resultados da pesquisa do sociólogo e cientista político Alberto Carlos Almeida sobre as características da cultura brasileira.
A Cabeça do brasileiro segundo Almeida
Fialhoavalia a obra A cabeça do brasileiro como uma tentativa pioneira “de mapeamento das opiniões, dos costumes e das ‘visões de mundo’ da população brasileira em sua totalidade” (FIALHO, 2008, 197). O propósito declarado da obra, no entanto, foi o de fazer uma avaliação empírica das teses do renomado antropólogo brasileiro Roberto DaMatta e, com esse fim, Alberto Carlos Almeida explorou dados das 2.363 entrevistas feitas entre 18 de julho e cinco de outubro de 2002 no escopo da Pesquisa Social Brasileira (PESB), realizada pelo Núcleo de Pesquisas, Informações e Políticas Públicas da Universidade Federal Fluminense (DataUff). A PESB, segundo Almeida (2007, 20), “tratou daquilo que a literatura denomina core values[...] valores que são os alicerces das demais crenças sociais”. Para Fialho (2008, 197), em resumo, Almeida:
pretendeu realizar uma grande radiografia da forma como o brasileiro vê o mundo e as pessoas ao seu redor, de como entende a definição dos rumos de sua vida e soluciona situações de impasse, de como se relaciona com o mundo da política e da economia, valora e julga comportamentos, classifica indivíduos, entre diversas outras situações.
Apesar das críticas feitas à metodologia da pesquisa e à falta de aprofundamento na análise dos dados – que dão à obra um teor “puramente descritivo” (FIALHO, 2008, 198) –, Almeida apresenta resultados que até certo ponto refletem as dimensões culturais da sociedade brasileira apontadas no estudo de Hofstede. Alguns deles são destacados a seguir:
1.      Jeitinho brasileiro: Embora a PESB evidencie que essa prática é rejeitada por jovens e pessoas com nível educacional mais alto devido à sua associação com a corrupção, ela está bastante disseminada em nossa cultura. Atribui-se sua existência à necessidade que as pessoas têm de navegar numa sociedade desigual, que “opera segundo leis contraditórias e rígidas” (ALMEIDA, 2007, 70) – aspectos evidenciados nas altas PDI e UAI de Hofstede. Por meio desse expediente, as pessoas conseguem acesso a direitos que de outra forma continuariam inacessíveis pela ineficiência do atendimento ao público, pela desmotivação de quem deve prestá-lo ou pela falta de recursos. Há, no entanto, quem atribua a essa prática a vantagem de romper com as relações hierárquicas da sociedade brasileira;
2.      Hierarquia/Autoritarismo: Esses aspectos estão correlacionados e fazem parte da cultura brasileira há séculos. Sua expressão mais reconhecida é a antipática pergunta “você sabe com quem está falando?”, que tanto serve para lembrar que as pessoas são naturalmente diferentes devido à sua origem social ou aos anos de educação formal quanto sugere que aqueles que vêm de famílias abastadas ou conquistaram muitos títulos acadêmicos são naturais detentores de direitos diferenciados ou privilégios, como revelado na alta PDI;
3.      Fatalismo e Familismo: Um terço dos adultos participantes da PESB declarou acreditar que “Deus decide o destino dos homens” (ALMEIDA, 2007, 114). Essa associação fatalista entre os desígnios de Deus e a imponderabilidade do destino só não é maior do que o familismo, que leva o brasileiro a confiar apenas nos membros de seu círculo familiar e a desconfiar de todos que estejam fora dele, ou seja, colegas de trabalho, amigos e vizinhos. Essa descoberta, no entanto, vai de encontro aos resultados do indicador PDI na pesquisa de Hofstede, segundo os quais os laços de confiança na sociedade brasileira se estenderiam para além do núcleo familiar;
4.      Estatismo: A PESD revela que o brasileiro ama o Estado forte e acredita que ele deva controlar certos setores da economia, como o de energia. No entanto, ela revela que o brasileiro avalia os serviços prestados pelos órgãos estatais como inferiores aos prestados por empresas privadas. Almeida (2007, 192) afirma que “[n]o Brasil, o Estado é a fonte de todos os males, mas também das soluções”. Esse fator pode ainda estar associado ao grande interesse por carreiras no setor público que por muito tempo tem caracterizado a economia brasileira. Essas carreiras são ainda procuradas em função da estabilidade, dos bons salários, da aposentadoria integral e da qualidade de vida que oferecem. No contraponto, há pouco interesse em empreender e em buscar carreiras no setor privado, que exige mais experiência e dedicação, com frequente sacrifício da vida familiar e do lazer. Esse fator demonstra uma forte relação com a dimensão MAS do estudo de Hofstede, segundo a qual o brasileiro, mesmo nas relações trabalhistas, busca a qualidade de vida e tende a ser menos competitivo e menos assertivo.
Visto que para Hofstede as dimensões características de uma cultura são relativas, isto é, só fazem sentido em sua relação com as de outras culturas, na próxima seção apresento e discuto alguns contrastes globais em que a cultura brasileira é tomada como ponto de referência. Os dados numéricos compilados sob a forma de gráficos foram obtidos a partir de ITIM (2005d).
ANÁLISES CONTRASTIVAS A PARTIR DA CULTURA BRASILEIRA
A Distância Hierárquica (PDI) é uma dimensão bastante distintiva da cultura brasileira, como revelaram os estudos de Hofstede e de Almeida. A análise dos gráficos comparativos (FIGURA 2) sugere que nossa cultura situa-se num extremo de maior aceitação e talvez naturalização dos desníveis ou das desigualdades sociais em relação às culturas europeias destacadas – apenas a cultura russa a supera – e numa posição relativa de maior busca da igualdade em relação às culturas africanas destacadas. No gráfico que apresenta as culturas europeias, percebe-se um padrão de similaridade maior entre a cultura brasileira e as culturas dos países da Europa latina – Itália, Espanha, Portugal e França –, nos quais ainda subsiste certa estratificação social, não obstante o secular ideal de igualdade propagado pela Revolução Francesa. Em contraste com as demais culturas americanas destacadas, a brasileira situa-se num bloco intermediário entre culturas de fundo mais igualitário, como as do Canadá e dos Estados Unidos, e culturas ainda menos igualitárias, como a da Guatemala e do Panamá. Finalmente, observa-se que nossa cultura não se destaca de forma distintiva contra um grande bloco de culturas asiáticas de fundo pouco igualitário.
FIGURA 2 – Contrastes na dimensão PDI [iv]
Em termos gerais, a análise contrastiva da dimensão PDI sugere que europeus de culturas latinas, africanos das culturas destacadas, nativos de boa parte dos países asiáticos e de grande parte das culturas da América Latina correrão menos riscos de se envolverem em situações constrangedoras quando confrontados com distribuição desigual de poder que caracteriza a cultura brasileira e com os privilégios que costumam ser oferecidos às classes sociais mais abastadas, como apontado por Almeida (2007). Por extensão, possivelmente não estranharão a organização altamente hierárquica das empresas e instituições brasileiras, embora a forma como essa hierarquia se organize possa ser distinta daquelas encontradas em suas próprias culturas. No entanto, isso não garante que eles aceitarão a cultura do jeitinho identificada no estudo de Almeida (2007), em vista de sua frequente associação à ineficiência e à lentidão na prestação de serviços e no atendimento ao público. Neste caso, o risco potencial de mal-entendidos e até conflitos é bastante grande, bem como da formação de estereótipos negativos a respeito da dedicação do brasileiro ao trabalho.
A respeito da dimensão IDV, os gráficos contrastivos (FIGURA 3) demonstram que a cultura brasileira está num extremo mais comunitarista em relação a grande parte das culturas europeias (exceto a portuguesa) e num extremo mais individualista em relação às culturas americanas e africanas destacadas. Ao mesmo tempo, nossa cultura encontra-se agrupada com diversas culturas asiáticas pouquíssimo individualistas (com exceção da cultura israelense). É interessante observar que se, por um lado, o Brasil é menos individualista do que grande parte dos países da Europa germânica, por outro, é mais individualista do que boa parte dos países da América Latina.
Em termos gerais, a análise contrastiva da dimensão IDV sugere que a tendência do brasileiro de buscar criar fortes vínculos de confiança antes de firmar relacionamentos importantes (p.ex. em negociações para assinatura de contratos) e de se manter fortemente vinculado a seus familiares e amigos talvez gere menos estranhamento para nativos de culturas orientais, latino-americanas e africanas do que para nativos de culturas de fundo germânico ou anglo-saxão.
FIGURA 3 – Contrastes na dimensão IDV
Os gráficos contrastivos da dimensão MAS (FIGURA 4) sugerem que o brasileiro seja, antes de tudo, um conciliador: ele não ignora a necessidade de ser competitivo no mundo contemporâneo, mas tende a evitar a confrontação direta nas instâncias em que outros povos podem ser mais assertivos. Ao mesmo tempo, ele não abre mão da qualidade de vida nem dos valores comunitários. Essas tendências, por vezes, podem transmitir a mensagem equivocada de que o brasileiro não é suficientemente assertivo ou dedicado ao que faz, o que o põe numa falsa oposição em relação aos alemães, britânicos e italianos na Europa; aos americanos e mexicanos nas Américas; aos chineses e japoneses na Ásia; e aos sul-africanos.
FIGURA 4 – Contrastes na dimensão MAS
Os gráficos contrastivos da dimensão UAI (FIGURA 5) demonstram que a cultura brasileira agrupa-se bem dentro de blocos de países em cujas culturas há baixíssima tolerância às incertezas. São culturas em que se percebe a necessidade de padrões rígidos de comportamento e nas quais os desvios são facilmente notados e, por vezes, condenados de forma bastante drástica. Essa necessidade de controles sociais padronizados pode se manifestar numa legislação extremamente detalhista (caso do Brasil), em prescrições de comportamento ou normas de etiqueta bastante rígidas (caso do Japão) ou ainda em preceitos religiosos igualmente rígidos (caso dos Emirados Árabes Unidos). De modo geral, essas culturas tendem a ser encaradas como mais conservadoras. Navegar dentro de qualquer uma delas sem conhecer as leis, as normas ou os preceitos expõe o visitante ao risco de cometer desde gafes inofensivas, como cumprimentar um subordinado antes de seu superior hierárquico numa empresa japonesa; até ofensas graves, como tocar o braço de uma mulher muçulmana a pretexto de apenas cumprimentá-la.
FIGURA 5 – Contrastes na dimensão UAI
Embora não tenham sido encontrados dados empíricos confiáveis a respeito da dimensão temporal (HALL, 1998) para a cultura brasileira, é seguro deduzir que se trate de uma cultura policrônica. Dessa forma, seguindo a proposta prática de Storti (1998), é possível agrupar nossa cultura junto com boa parte das culturas da Europa Latina, ainda que nelas a dimensão apresente grau mais baixo, e com várias culturas asiáticas, latino-americanas e africanas (FIGURA 6). O membro de uma cultura monocrônica que interaja com um brasileiro poderá ter a impressão que ele é descompromissado em virtude da tendência à modificação de agendamentos feitos previamente. Ao mesmo tempo, a tendência a interromper quem está falando poderá deixar a impressão de que o brasileiro é mal-educado ou não presta atenção ao que os outros dizem, o que não necessariamente corresponde à verdade.
FIGURA 6 – Contrastes na dimensão TEMPO [v]
O gráfico contrastivo da dimensão contexto (FIGURA 7) demonstra que a cultura brasileira se caracteriza pela alta dependência contextual na comunicação, o que também se verifica entre culturas da Europa latina, da Ásia, da América Latina e da África. Quem pertence a uma cultura com baixo grau de contextualização comunicativa e desconhece esse fato sobre a cultura do Brasil pode eventualmente se ressentir do descompasso entre o que as pessoas dizem e o que elas parecem querer dizer, ou ainda de que o que elas dizem não traz informações suficientes. Em casos mais críticos, pode-se criar uma falsa impressão de que o interlocutor brasileiro é dissimulado, com resultados obviamente ruins para o estabelecimento de um vínculo social saudável.
FIGURA 7 – Contrastes na dimensão CONTEXTO
Sob uma perspectiva global, portanto, a cultura brasileira se apresenta como tolerante em relação à distância hierárquica, medianamente individualista, rígida em relação à observância de padrões de comportamento, policrônica, altamente "tátil" e de comunicação contextualizada. Uma descrição mais confiável, no entanto, exige que se leve em conta o fato de existir variação dentro do Brasil em vista dos diferentes padrões de colonização das regiões e cidades e também em função dos diferentes processos históricos ocorridos nelas. É ainda necessário considerar que dois membros da cultura na mesma região ou cidade podem manifestar algumas das dimensões analisadas em graus distintos em função, por exemplo, dos anos de educação formal, como explica Almeida (2007) em relação à dimensão PDI.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
A consciência dos contrastes dentro das dimensões culturais deve servir ao professor de PLE como uma ferramenta de trabalho adicional ao seu conhecimento do idioma, das técnicas e das tecnologias de ensino. O primeiro beneficiado pelo uso dessa ferramenta deve ser o próprio professor, que talvez precise ressignificar seus estereótipos em relação à cultura brasileira, provavelmente construídos durante sua educação formal ou após o contato com outras culturas que manifestem essas dimensões em graus marcadamente distintos. Assim, o professor de PLE deve construir a convicção de que não lhe cabe transmitir um juízo de valor a respeito da acentuada distância hierárquica ou do caráter altamente tátil da cultura brasileira em relação às culturas de alguns de seus alunos, que podem se apresentar menos socialmente hierarquizadas ou menos táteis. No entanto, na prática, mesmo que consiga elaborar uma perspectiva menos estereotipada a respeito de sua cultura, é muito provável que o professor precise lidar com eventuais comentários negativos de estudantes que ainda não tenham superado o estágio do choque cultural em que os aspectos específicos da cultura brasileira ainda representem razão para frustrações e irritações. Caberá ao professor, nesses casos, usar essa nova ferramenta de forma objetiva para propiciar ao estudante de PLE uma integração menos sofrida e mais consciente à cultura que o recebe.
Não parece haver técnicas infalíveis para trabalhar as dimensões culturais em sala de aula na profundidade necessária de modo a superar a limitada abordagem dos usos e costumes e do folclore nacional, ainda presente em alguns materiais didáticos de PLE. Cabe, então, ao professor a tarefa de elaborar seu conjunto de materiais e técnicas, sua abordagem pessoal para facilitar o desenvolvimento da competência intercultural de seus alunos. Uma boa fonte de conteúdos para criação desses materiais é o cinema nacional. Cenas curtas de filmes mais recentes podem ser transformadas em vinhetas para abordagem da dimensão espacial (observação da distância entre as pessoas; de manifestações de amizade mediante abraços, toques e tapinhas as costas, por exemplo) e da PDI manifestada nas formas de tratamento (uso de doutor em lugar de senhor para se dirigir a alguém que seja ou aparente ser de classe mais alta, por exemplo). O professor pode também, seguindo a proposta de Storti (1994), elaborar diálogos curtos em que fiquem evidentes os usos da linguagem que manifestem as dimensões IDV (a conversa descontraída que precede uma negociação comercial) e UAI (as diversas locuções de cunho fatalista, como o destino a Deus pertencese deus quiser e ao Deus dará, entre outras). Ainda sobre a dimensão UAI, é importante observar que a música popular é rica em letras que expressam o fatalismo da cultura brasileira, como a da canção Deixa a vida me levar, de Zeca Pagodinho. Qualquer que seja a fonte selecionada, o professor deve levar em consideração que a atividade a ser proposta não poderá ter como resultado a formação ou o reforço de estereótipos a respeito da cultura-alvo (FERREIRA, 2010). Ele deverá orientar os alunos a agir como cientistas, como antropólogos que observam sem valorar, que observam antes de interpretar e que interpretam segundo as lentes da cultura-alvo, não com as de suas próprias culturas. Uma dica é orientar os alunos a seguir um roteiro de observação e interpretação que envolva a resposta às seguintes perguntas:
a)      O que parece estar acontecendo aqui (conversa informal, negociação, discussão, entrevista)? O que leva você a fazer essa interpretação?
b)      Quem são as pessoas envolvidas? Qual parece ser a relação entre elas (parentes, amigas, desconhecidas)? O que leva você a fazer essa interpretação?
c)      O que cada uma delas parece querer fazer (socializar, vender, negociar, ensinar)? O que leva você a fazer essa interpretação?
d)      Elas parecem ter sido bem-sucedidas? O que leva você a fazer essa interpretação?
e)      O que seria diferente se o evento tivesse ocorrido em sua cultura?
f)        Que dificuldades você imagina que teria se fosse uma das pessoas envolvidas? Por quê? Como poderia contornar essas dificuldades sem ofender ou frustrar o interlocutor?
g)      O que você aprendeu a respeito da cultura brasileira nessa atividade?
Aprendizes que ainda não tenham capacidade de interpretar poderão receber as perguntas numa língua estrangeira de conhecimento comum na turma e poderão responder nessa língua, uma vez que o que importa é o exercício de observação, análise e autorreflexão.
REFERÊNCIAS
  • ALMEIDA, A.C. A cabeça do brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2007.
  • FERREIRA, I.A. Os componentes linguístico e cultural: equilíbrio no ensino contemporâneo de PLE. In: Revista SIPLE. Ano 1, Nº 1, Outubro, 2010. Disponível em: http://bit.ly/SWrU8U. Acesso em: 30 set. 2012.
  • FIALHO, F.M. Vicissitudes de uma análise de survey à brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 23, Nº 66, 2008, p. 197-200. Disponível em: http://bit.ly/Qy05Ej. Acesso em: 30 set. 2012.
  • GRIFFIN, E. Proxemic Theory of Edward Hall. In: ---. A First Look at Communication Theory. New York: McGraw-Hill, 1997, p. 60-67.
  • HALL, E.T. The Power of Hidden Differences. In: BENNETT, M. (ed). Basic Concepts of Intercultural Communication: Selected Readings. Yarmouth, Maine: Intercultural Press, 1998, pp. 53-67.
  • ITIM. Dimensions – Geert Hofstede. 2005a. Disponível em: http://bit.ly/rsChec. Acesso em: 30 set. 2012.
  • ____. National cultural dimensions – Geert Hofstede. 2005b. Disponível em: http://bit.ly/y9CRSQ. Acesso em: 30 set. 2012.
  • ____. What about Brazil? – Geert Hofstede. 2005c. Disponível em: http://bit.ly/w9OqoB. Acesso em: 30 set. 2012.
  • ____. Countries – Geert Hofstede. 2005d. Disponível em: http://bit.ly/sGv4ef. Acesso em: 30 set. 2012.
  • JONES, M.L. Hofstede – Culturally questionable? Paper presented to the Oxford Business & Economics Conference, Oxford, 24–26 June, 2007.
  • REIS BATISTA, M. O (Inter)cultural em livros didáticos de português para estrangeiros. In: Anais do VII SEPA – Seminário de Pesquisa em Andamento do curso de Mestrado em Letras da Universidade Federal do Pará. 2009. Disponível em: <http://bit.ly/SRUZCU>. Acesso em: 06 out. 2012
  • STORTI, C. Cross-cultural Dialogues: 74 Brief Encounters with Cross-Cultural Difference. Yarmouth, ME: Intercultural Press, 1994.
  • STORTI, C. Figuring Foreigners Out: a practical guide. Boston: Intercultural Press, 1998.
NOTAS:

[i]No original: “Culture hides much more than it reveals and, strangely enough, what it hides, it hides most effectively from its own participants.”
[ii] Ver também os levantamentos de materiais didáticos de PLE feitos em 2006 e 2007 pelos alunos da professora doutora Matilde V. R. Scaramucci (UNICAMP). Os resultados desses levantamentos estão disponíveis, respectivamente, em http://bit.ly/PgOnCA e http://bit.ly/Usp5DN.
[iii] O estudo original de Hofstede foi posteriormente ampliado e duas dimensões – orientação de longo prazo e indulgência/contenção – foram incluídas (ITIM, 2005b). Elas, no entanto, não são abordadas neste trabalho.
[iv] Abreviaturas: AT = Áustria, DK = Dinamarca, NO = Noruega, SE = Suécia, CH = Suíça, AL = Alemanha, UK = Reino Unido, NL = Holanda, IT = Itália, ES = Espanha, PT = Portugal, BE = Bélgica, FR = França, PL = Polônia, BR = Brasil, RU = Rússia; CR = Costa Rica, CA = Canadá, US = Estados Unidos, AR = Argentina, UY = Uruguai, CL = Chile, PE = Peru, SV = El Salvador, CO = Colômbia, EQ = Equador, MX = México, VE = Venezuela, GT = Guatemala, PA = Panamá; IL = Israel, JP = Japão, IR = Irã, TW = Taiwan, CS = Coréia do Sul, TR = Turquia, HK = Hong Kong, LB = Líbano, IN = Índia, ID = Indonésia, CN = China, EA = Emirados Árabes Unidos, AS = Arábia Saudita, ML = Malásia; AF = África do Sul, ZM = Zâmbia, EG = Egito, ET = Etiópia, MA = Marrocos, TZ = Tanzânia, GH = Gana, NG = Nigéria.
[v] Abreviaturas: UK = Reino Unido, AL = Alemanha, RU = Rússia, ES = Espanha, FR = França, BR = Brasil; US = Estados Unidos, MX = México; JP = Japão, CN = China, SW = Sudeste Asiático, OM = Oriente Médio, IN = Índia; AF = África.

Refletindo

Esta prática é de reflexão das línguas.

Começando pela nossa lingua:




Antropologia e Formas quotidianas - a Filosofia de
S. Tomás de Aquino Subjacente à nossa Linguagem do Dia-a-Dia
(Conferência proferida na Universitat Autònoma de Barcelona,
Dept. de Ciències de l'Antiguitat i de l'Etat Mitjana, 23-4-98)

L. Jean Lauand
     "Obrigado", "Parabéns", "Perdoe-me", "Meu caro", "Felicidades", "Meus pêsames" e diversas outras formas de linguagem do relacionamento quotidiano - nas diversas línguas - encerram em si profundas informações para o estudo filosófico do homem. Para além do eventual formalismo vazio em que o uso diário tende a arremessá-las, essas expressões - à primeira vista, tão inofensivas - incidem, originariamente, sobre importantes dimensões da realidade humana.
     A partir da discussão metodológico-temática sobre a linguagem e a antropologia filosófica (guiados pelo clássico S. Tomás de Aquino), essas fórmulas de convivência mostram-se autênticas mensagens cifradas, por vezes infinitamente surpreendentes e sábias... Como diz Isidoro de Sevilha, sem a etimologia não se conhece a realidade e com ela mais rapidamente atinamos com a força expressiva das palavras (1).
     Na verdade, as palavras têm um potencial expressivo muito maior do que nós - tão familiar e quase automático é o uso que delas fazemos - possamos imaginar. Daí a atenção do filósofo para os modos de dizer, os contextos, as sutilezas da linguagem comum, em sua própria língua ou em outras. 
     Quando a filosofia se volta para a linguagem comum, não está praticando um procedimento periférico, mas atingindo algo de muito essencial, pertencente ao próprio núcleo da reflexão filosófica. 
     Tal apropriação, dizíamos, não é fácil nem imediata. Nossa tendência é antes a de embotamento e esquecimento do profundo sentido originário que acabou por se consubstanciar nesta ou naquela formulação. Pois, sempre vige aquela verdade fundamental, ressaltada tanto pela antropologia ocidental quanto pela oriental: o homem é, essencialmente, um ser que esquece!(2) E, assim, a linguagem, a língua viva do povo, acaba por ser em muitos casos a depositária das grandes experiências esquecidas. E se quisermos resgatar o sentido do humano que elas encerram, devemos voltar-nos, criticamente, para esse depósito... Não é de estranhar, pois, que num clássico como Tomás de Aquino encontremos uma filosofia altamente comprometida com a linguagem. Nesse sentido, é oportuno recordar alguns de seus princípios metodológicos. 
1) Nossas palavras, freqüentemente, só alcançam fragmentariamente - Tomás usa o advérbio divisim - a realidade, que é complexa, que supera, de muito, a capacidade intelectual humana. Aliás, é de Tomás a aguda observação de que "filósofo algum jamais chegou a esgotar sequer a essência de uma mosca". Ao contrário de Deus, que expressa tudo num único Verbo, "nós temos de expressar fragmentariamente os conhecimentos em muitas e imperfeitas palavras"(3).
2) Outro fenômeno interessante, também ele ligado à limitação de nosso conhecimento/linguagem, é o que poderíamos denominar: efeito girassol, assim explicado por Tomás: "Já que os princípios essenciais das coisas são por nós ignorados, freqüentemente, para significar o essencial (que não atingimos) nossas definições incidem sobre um aspecto acidental"(4). Assim, por exemplo, todo o ser da planta que chamamos girassol é designado por um fenômeno-gancho, acidental e periférico, no caso o do heliotropismo.
3) Daí, também, que não escape ao Aquinate o fato de que, freqüentemente, é diferente o gancho, o aspecto, o caminho pelo qual cada língua acessa uma determinada realidade: o mesmo objeto que me protege contra a água (guarda-chuva) produz uma sombrinha (umbrella). Daí, diz Tomás, que "línguas diferentes expressem a mesma realidade de modo diverso"(5).

"Muito obrigado" - os três níveis da gratidão

     Dizíamos que a limitação do conhecimento humano reflete-se na linguagem: não podemos expressar o que as coisas são, na medida em que não sabemos completamente o que elas são. Além do mais, muitas vezes, uma palavra acentua originariamente só um dentre os muitos aspectos que a realidade designada oferece. E pode ocorrer que, com o passar do tempo, essa realidade mude, evolua substancialmente a ponto de perder a conexão com o étimo da palavra, que permanece a mesma. Isto não nos choca, pois, no uso quotidiano, as palavras vão perdendo transparência: falamos em salada de frutas porque envolve mistura e nem notamos que salada deriva de sal. Do mesmo modo, o barbeiro, hoje em dia, quase já não faz barbas, mas cortes de cabelo; como também o tintureiro já não tinge, mas só lava; o garrafeiro compra jornais velhos e muito poucas garrafas; o chauffeur não aquece, mas dirige o carro; e nem nos lembraríamos de associar funileiro a funil.
     Se essas incompatibilidades não nos causam estranheza é porque a linguagem tornou-se opaca para nós: dizemos colar, colarinho, coleira, torcicolo e tiracolo e não reparamos em que derivam de colo, pescoço (daí que seja incompreensível, à primeira vista, a expressão "sentar no colo").
     Essas considerações são importantes preliminares ao estudo da gratidão e das formulações que ela recebe nas diversas línguas. Tomás ensina que a gratidão é uma realidade humana complexa (e daí também o fato de que sua expressão verbal seja, em cada língua, fragmentária: este ou aquele aspecto-gancho é o acentuado): "A gratidão se compõe de diversos graus. O primeiro consiste em reconhecer (ut recognoscat) o benefício recebido; o segundo, em louvar e dar graças (ut gratias agat); o terceiro, em retribuir (ut retribuat) de acordo com suas possibilidades e segundo as circunstâncias mais oportunas de tempo e lugar" (II-II, 107, 2, c).
     Este ensinamento, aparentemente tão simples, pode ser reencontrado nos diferentes modos de que as diversas línguas se valem para agradecer: cada uma acentuando um aspecto da multifacética realidade da gratidão. Algumas línguas expressam a gratidão, tomando-a no primeiro nível: expressando mais nitidamente o reconhecimento do agraciado. Aliás reconhecimento (como reconnaissance em francês) é mesmo um sinônimo de gratidão. Neste sentido, é interessantíssimo verificar a etimologia: na sabedoria da língua inglesa to thank (agradecer) e to think (pensar) são, em sua origem, e não por acaso, a mesma palavra. Ao definir a etimologia de thank o Oxford English Dictionnary é claro: "The primary sense was therefore thought"(6). E, do mesmo modo, em alemão, zu danken (agradecer) é originariamente zu denken (pensar). Tudo isto, afinal, é muito compreensível, pois, como todo mundo sabe, só está verdadeiramente agradecido quem pensa no favor que recebeu como tal. Só é agradecido quem pensa, pondera, considera a liberalidade do benfeitor. Quando isto não acontece, surge a justíssima queixa: "Que falta de consideração!"(7). Daí que S. Tomás - fazendo notar que o máximo negativo é a negação do grau ínfimo positivo (a última à direita de quem sobe é a primeira à esquerda de quem desce...) - afirme que a falta de reconhecimento, o ignorar é a suprema ingratidão(8): "o doente que não se dá conta da doença não quer se curar"(9).
     A expressão árabe de agradecimento shukranshukran jazylan situa-se diretamente naquele segundo nível: o de louvor do benfeitor e do benefício recebido. Já a formulação latina de gratidão, gratias ago, que se projetou no italiano, no castelhano (grazie, gracias) e no francês (merci, mercê)(10) é relativamente complexa. Tomás diz (I-II, 110, 1) que seu núcleo, graçacomporta três dimensões: 1) obter graça, cair na graça, no favor, no amor de alguém que, portanto, nos faz um benefício; 2) graça indica também dom, algo não devido, gratuitamente dado, sem mérito por parte do beneficiado; 3) a retribuição, "fazer graças", por parte do beneficiado. No tratado De Malo (9,1), acrescenta-se um quarto significado de gratias agere: o de louvor; quem considera que o bem recebido procede de outro, deve louvar.
     No amplo quadro que expusemos - o das expressões de gratidão em inglês, alemão, francês, castelhano, italiano, latim e árabe - ressalta o caráter profundíssimo de nossa forma: "obrigado"(11). A formulação portuguesa, tão encantadora e singular, é a única a situarse, claramente, naquele mais profundo nível de gratidão de que fala Tomás, o terceiro (que, naturalmente, engloba os dois anteriores): o do vínculo (ob-ligatus), da obrigação, do dever de retribuir. Podemos, agora, analisar a riqueza de sugestões que se encerra também na forma japonesa de agradecimento(12)Arigatô remete aos seguintes significados primitivos: "a existência é difícil", "é difícil viver", "raridade", "excelência (excelência da raridade)". Os dois últimos sentidos acima são compreensíveis: num mundo em que a tendência geral é a de cada um pensar em si, e, quando muito, regularem-se as relações humanas pela estrita e fria justiça, a excelência e a raridade salientam-se como característica do favor. Mas, "dificuldade de existir" e "dificuldade de viver", à primeira vista, nada teriam que ver com o agradecimento. No entanto, S. Tomás ensina (II-II, 106, 6) que a gratidão deve - ao menos na intenção - superar o favor recebido. E que há dívidas por natureza insaldáveis: de um homem em relação a outro, seu benfeitor, e sobretudo em relação a Deus: "Como poderei retribuir ao Senhor - diz o Sl. 115 - por tudo o que Ele me tem dado?". Nessas situações de dívida impagável - tão freqüentes para a sensibilidade de quem é justo - o homem agradecido sente-se embaraçado e faz tudo o que está a seu alcance (quid-quid potest), tendendo a transbordar-se num excessum que se sabe sempre insuficiente(13) (cfr. III, 85, 3 ad 2). Arigatô aponta assim para o terceiro grau de gratidão, significando a consciência de quão difícil se torna a existência (a partir do momento em que se recebeu tal favor, imerecido e, portanto, se ficou no dever de retribuir, sempre impossível de cumprir...).

Sinônimos?

     Tomás é muito estrito no uso da palavra "sinônimo": para ele, são sinônimas somente palavras de significados absolutamente equivalentes, isto é, que não só indicam a mesma realidade (res), mas também o mesmo aspecto, a mesma ratio. Diz, por exemplo: "Embora essas palavras signifiquem a mesma realidade, não são sinônimas porque não a enfocam sob o mesmo aspecto"(14).
     Assim, para Tomás, duas (ou mais) palavras são sinônimas se (e somente se...) em quaisquer contextos puderem ser comutadas sem real alteração de sentido: o exemplo que dá, no Comentário às Sentenças, é tunicavestis e indumentum. O que quer que se afirme (ou negue) de tunica, será afirmado (ou negado...) também de vestis(15). É como trocar "meia-dúzia" por "seis"... Nós, hoje, com me-nos precisão, admitimos como sinônimas justamente palavras que - embora com diferentes títulos ou ênfases - apontam para a mesma realidade. Assim, de "sinônimo", diz o Aurélio: "palavra que tem quase (sic) a mesma significação que outra". Já o Larousse, explicita melhor: "mots qui se présentent dans la langue avec des sens très proches et qui se différencient entre eux par une nuance (trait particulier)". Já o Oxford distingue e registra dois sentidos, o estrito e o lato: "Synonym - 1. Strictly, a word having the same sense as another (in the same language); but more usually(grifo nosso), either or any of two or more words (in the same language) having the same general sense, but possessing each of them meanings which are not shared by the other or others, or having different shades of meaning (grifo nosso) or implications appropriate to different contexts: e.g. serpent, snake; ship, vessel etc.".
     Para Tomás, pelo contrário, como dizíamos, duas palavras podem referir-se à mesma e única realidade e, no entanto, não serem sinônimas: porque diferentes são suas rationes. É o caso, por exemplo, dos diversos nomes pelos quais designamos a Deus ou seus atributos (Criador, Onipotente, a Bondade, a Justiça etc.): todos incidem sobre a mesma realidade, mas não são sinônimos(16). Seja como for, do ponto de vista metodológico, são de especial interesse para o filósofo, dois pontos: 1) a busca de contextos da linguagem comum em que uma palavra não pode - sem alteração de sentido - ser substituída por nenhum "sinônimo": este é um fecundo procedimento para atinar com a realidade antropológica significada pelo vocábulo e 2) O segundo ponto a destacar é o fato de que cada "sinônimo" tem sua ratio, aponta para um determinado aspecto diferente da mesma e única realidade: tal como quando falamos em "casa", "lar", "domicílio" ou "residência". Em si, a realidade a que se referem estas palavras é a mesma e única edificação - na Rua Tal, número tal -, mas ninguém diz "domicílio, doce domicílio", nem a Prefeitura cobra impostos sobre meu lar, etc.(17). Essa multiplicidade de formas de linguagem para a mesma res tem importância na análise que Tomás faz do amor.

"Meu caro"

     A riqueza (e a precisão) de vocabulário vivo para determinado assunto em uma língua denota o interesse vital dos falantes por aquele tema. Nesse sentido, note-se, por exemplo, o incrível detalhamento a que chegou o léxico futebolístico no Brasil, em que a resolução da linguagem chega a distinguir: bicicleta, meia-bicicleta, puxeta e voleio! Do mesmo modo, S. Tomás apresenta distinções entre diversos "sinônimos" de amor em latim, interessantes do ponto de vista da antropologia filosófica. Assim, ao afirmar (em I Sent. d.10, q.1, a. 5, ex) que o Espírito Santo é amor ou caritas ou dilectio do Pai e do Filho, precisa que amor indica a simples inclinação de afeto para o amado, enquanto dilectio ("como a própria etimologia indica") pressupõe escolha e é, portanto, racional. Já caritas, objeto de particular estudo neste tópico, enfatiza a veemência do amor (dilectio) enquanto se tem o amado por inestimável preço ("inquantum dilectum sub inaestimabili pretio habetur"), no mesmo sentido em que dizemos que as coisas (o custo de vida, as compras) estão caras ("secundum quod res multi pretii carae dicuntur").
     Há aqui um fato surpreendente e muito sugestivo. Não é por acaso que, também em outras línguas, se use a mesma e única palavra para dizer: "meu caro amigo" e "o feijão está caro" ("my dear friend", "beans are too dear"; "mon cher ami" e "haricots sont trop cher"). Para o realismo medieval, não há nenhum choque em que a palavra "caridade", escolhida para designar o amor de Deus (e o amor ao próximo por Deus) seja a palavra, pré-cristã, ligada a dinheiro, preço: caridade, o amor pelo amado, insiste Tomás, indica aquilo (uma coisa, um objeto) que consideramos de inestimável preço, como caríssimo: "Caritas dicitur, eo quod sub inaestimabili pretio, quasi carissimam rem, ponat amatum caritas" (In III Sent. d.27, q.2, a.1, ag7). Assim, quando dizemos "meu caro amigo" ou "caríssimo Fulano", estamos valendo-nos de metáforas de preço (daí, também, a-preço, prezado, menos-prezo, des-prezo etc.), de estima, de estimativa. 
     Nesta mesmíssima linha, situa-se a fórmula de cortesia árabe, ante um amigo que diz que vai pedir algo: "Anta gally wa talibuka rakhiz" ("você é caro e seu pedido é barato"). E quando nos lembramos que Cristo compara o Reino dos Céus a um tesouro que um homem encontra num campo ou a um mercador que procura pedras preciosas e que a obtenção desse bem requer a venda de todo o resto, não nos surpreenderá que "caridade" seja a palavra para designar o bem apreciado.
     Voltemo-nos agora para uma outra situação de nossa vida quotidiana, a de felicitação, procurando resgatar o sentido originário dos votos de congratulação. Seguindo o procedimento medieval, estaremos atentos à etimologia.

"Parabéns"

     Quando transcendemos o âmbito protocolar das formalidades e da praxe, os votos de felicitação: "Parabéns!" (e seus irmãos: o espanhol Enhorabuena!, o inglês Congratulations!, o italiano Auguri!), vemos que eles trazem em si diferentes e complementares indicações sobre o mistério do ser e o do coração humano. O que significam exatamente essas formulações? O que realmente queremos dizer, quando dizemos "parabéns" ou "congratulations" etc.? Todas essas expressões trazem em si um profundo significado, por assim dizer, "invisível a olho nu". 
     Comecemos pela fórmula castelhana: Enhorabuena!, literalmente "em boa hora". Enhorabuena indica que um determinado caminho (os anos de estudo que desembocaram numa formatura, o árduo trabalho de montar uma empresa que se inaugura etc.) chega, nesta hora, em que se dão as felicitações, a seu termo: esta é que é a hora boa, enhorabuena! Precisamente o fato de ser a hora da conclusão é que a torna uma boa hora. A sabedoria dos antigos fala da "hora de cada um", de horas boas e más. Mas a hora boa, a hora melhor é a da conclusão, a da consumação, a do bom termo do caminho, a hora do fim, que é melhor do que a do começo: "Melior est finis quam principium" (Ecl. 7,8), diz a própria Sabedoria divina.
     Já a formulação inglesa, também presente no alemão e em outras línguas, congratulations, expressa a alegria compartilhada pelo bem do outro, com quem nos congratulamos, isto é, nos co-alegramos. Essa comunhão na alegria é sugerida também pela forma depoente dos verbos latinos gratulor e congratulor. A forma depoente está a indicar que a ação descrita no verbo não é ativa nem passiva: mas uma ação que, exercida pelo sujeito, repercute nele mesmo. Ou seja, no caso, que a alegria que externamos ao felicitar tal pessoa é também, a título próprio, muito nossa. 
     O árabe mabruk lembra o caráter de bênção daquele dom pelo qual felicitamos alguém.
     Com a encantadora forma nossa, "Parabéns!", estamos expressando precisamente isto: que o bem conquistado, que a meta atingida seja usada "para bens". Pois, qualquer bem obtido (o dom da vida, dinheiro ou a conquista de um diploma) pode, como todo mundo sabe, ser empregado para o bem ou para o mal.
     O italiano, auguri, auguri tanti!, anuncia (ou enseja) que este bem celebrado é só prenúncio, prefiguração, augúrio de outros ainda maiores que estão por vir.

"Meus pêsames"

     "Carregava uma tristeza...", diz o antigo samba de Paulinho da Viola: a tristeza é - evidentemente - um peso, os famosos pesares...! E para carregar o peso da dor, da tristeza, nada melhor - ensina Santo Tomás - do que a ajuda dos amigos: "porque a tristeza é como um fardo pesado que se torna mais leve para carregar, quando compartilhado por muitos: daí que a presença dos amigos seja tão apreciada nos momentos de dor"(18).
     Compreende-se, assim, imediatamente, que a expressão de condolências ("doer-se com") seja pêsames, literalmente: pesa-me ("eu te ajudo a carregar o peso desta tua tristeza").

Perdoe-me"

     "Perdonare" é uma forma tardia que não se encontra em Tomás. A palavra correspondente e usual, por ele empregada, é par-cere. No entanto, encontramos em S. Tomás as razões filosóficas que justificam a grandiosa etimologia das formas modernas: "perdoar", "perdão", "perdonar", "pardon", "pardonner" etc.
     O prefixo per acumula os sentidos de "por" ("através de") e de plenitude, grau máximo: como em perlavar (lavar completamente) perfulgente (brilhantíssimo), per-feito, per-manganato etc. E, assim, o perdão aparece como o superlativo da doação. O mesmo se dá com as formas inglesa e alemã: for-givevor-geben.
     Como o Aquinate pensa o tema do perdão e como o relaciona com o máximo da doação? Há aí influências bíblicas e litúrgicas. Na liturgia, Tomás impressiona-se com a oração, por ele freqüentemente citada(19), da missa do X domingo depois de Pentecostes (e, ainda hoje, preservada no XXVI domingo do tempo comum), que diz: "Deus qui omnipotentiam tuam parcendo maxime manifestas" ("Deus, que manifestais vossa onipotência, principalmente perdoando..."). E afirma que o perdão de Deus é poder superior ao de criar os céus e a terra (II-II, 113, 9, sc).
     Por outro lado, ele lê na tradução latina da epístola aos efésios: "sede benignos e 'doai-vos' uns aos outros, tal como Deus, em Cristo, vos 'doou'" (Ef 4,32)(20). E em II Cor 2:10 "A quem vós 'doeis' eu também 'dôo' e o que eu 'doei' etc."(21). Tomás não tem dúvidas: o doar, por excelência, não é doar dinheiro ou tempo ou qualquer outra coisa, mas sim perdoar(22).
     E conclui, com sua habitual sobriedade, com sugestivos id est: "Donate, id est parcite" (Super II ad Cor. cp 12, lc 4) e "Donantes, id est parcentes" (Super ad coloss. cp 3 lc 3) .

1. "Nisi enim nomen scieris, cognitio rerum perit" (Et. I, 7,1) e "Nam dum videris unde ortum est nomen, citius vim eis intellegis" (Et. I, 29,2).
2. Veja-se, a propósito, o capítulo "Educação e Memória" in Lauand, Medievália, São Paulo, Hottopos, 1996.
3. "Quia enim nos non possumus omnes nostras conceptiones uno verbo ex-primere, ideo oportet quod plura verba imperfecta formemus, per quae divisim exprimamus omnia, quae in scientia nostra sunt (Super Ev. Io. Cp 1, lc1).
4. "Et quia essentialia principia sunt nobis ignota, frequenter ponimus in defini-tionibus aliquid accidentale, ad significandum aliquid essentiale" (In ISent. ds25 q 1, a 1, r 8).
5. "Diversae linguae habent diversum modum loquendi" (I, 39, 3 ad 2).
6. Cito pela edição em hipertexto-Cd-ROM: OED 2nd. ed. on CD-ROM, 1994.
7. Já Sêneca - citado por S. Tomás, II-II, 106, 3 ad 4 - fala de que não pode haver gratidão, senão pelo que ultrapassa o estritamente devido, "ultra debitum". Ministerium tuum est ("Você não fez mais que sua obrigação") e outras do mesmo teor são, como se vê, fórmulas já bastante antigas. 
8. "Est gravissimum inter species ingratitudinis, cum scilicet homo beneficium non recognoscit" (In II Sent. d.22 q.2 a.2 r.1).
9. "Quia dum morbum non cognoscit, medicinam non quaerit", ibidem.
10. Merci é derivado de merces (salário), que tomou no latim popular o sentido de preço, do qual derivou o de "favor" e o de "graça".
11. Infelizmente, nestes últimos anos, no Brasil, "obrigado" vem sendo substituído pelo insosso "valeu!".
12. Devo à Profa. Chie Hirose as observações sobre a expressão Arigatô na língua japonesa.
13. Dessa insuficiência de quem sabe não dispor de moeda forte, nasce o recurso a Deus, consignado na expressão "Deus lhe pague", que, naturalmente, deixa subentendido que um pobre homem, como eu, não pode fazê-lo...
14. "Quamvis nomina dicta eandem rem significent, non tamen sunt synonyma: quia non significant rationem eandem" (CG I, 35, 1).
15. "Sicut patet etiam in synonimis; tunica enim et vestis eamdem rem significant, tamen nomina sunt diversa; et similiter indumentum. Unde affirmationes et negationes quae pertinent ad rem, non possunt verificari, ut dicatur: tunica est alba, indumentum non est album" (In I Sent. d. 34, q.1, a.1, r.2)
16."Ostenditur etiam ex dictis quod, quamvis nomina de Deo dicta eandem rem significent, non tamen sunt synonyma: quia non significant rationem eandem" CG I, 35, 1. Ou "Cum non secundum eandem rationem attribuantur, constat ea non esse synonyma, quamvis rem omnino unam significent: non enim est eadem nominis significatio, cum nomen per prius conceptionem intellectus quam rem intellectam significet" CG I, 35, 2.
17. Ainda que, naturalmente, há casos em que é legítima a substituição de uma dessas palavras por outra, ou indiferente o uso desta ou daquela: afinal são "sinônimas"!
18. "Quod tristitia est sicut onus grave quod quanto plures transsumunt fit levius ad portandum et sic presentia amici delectabilis" (Tabula libri Ethicorum, cpt).
19. Por exemplo em II-II, 113 9, sc e In IV Sent. d.46, q.2, a.1, cag1.
20. "Estote autem invicem benigni misericordes donantes invicem sicut et Deus in Christo donavit nobis".
21. "Cui autem aliquid donatis et ego nam et ego quod donavi si quid donavi propter vos in persona Christi".
22."Doar aqui é usado no sentido de perdoar" Super II ad Cor. cp 12, lc 4.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

+ English Practice (+ Prática de inglês)

Here is a great website to practice English! (Aqui está um ótimo website para praticar inglês)

They have videos and posts to aggregate to class content! (eles possuem videos e postagens que agregam ao conteúdo de aula)